A tragédia ambiental que tem assolado o Rio Grande do Sul nos últimos meses tem deixado cada vez mais clara a urgência de ações efetivas para frear o aquecimento global e acelerar o desenvolvimento de uma economia verde. Diante do cenário, governos têm assumido compromissos públicos que prometem mudar essa realidade.
Além dos mecanismos políticos, a adaptação às mudanças climáticas também exige que o setor financeiro esteja envolvido na incorporação de boas práticas que acelerem a transição para um modelo econômico de baixo carbono, mais próspero e inclusivo. Seja por regulação ou boa vontade, o setor financeiro – em todo o planeta e em particular no Brasil – precisa se movimentar e inovar para catalisar esses esforços. Resolver a crise do clima deve ser uma responsabilidade dos governos e também da iniciativa privada.
De acordo com relatório global do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicado no final de 2023, os custos de adaptação aos efeitos da mudança climática podem chegar a US$ 387 bilhões por ano. O documento traz ainda um alerta sobre a desaceleração do processo de adaptação aos efeitos da mudança climática, num momento em que deveria estar acelerando para acompanhar seus crescentes impactos e seus riscos para as pessoas, a natureza e a economia mundial.
O PNUMA indica que os fundos necessários para adaptação aos efeitos da mudança climática devem atingir uma faixa central plausível de US$215 bilhões a US$387 bilhões por ano nesta década. Essas necessidades de financiamento são 10 a 18 vezes maiores que as finanças públicas internacionais atualmente destinadas à adaptação climática nos países em desenvolvimento. Apesar das necessidades crescentes, os fluxos multilaterais e bilaterais de financiamento para adaptação recuaram 15%, atingindo US$21 bilhões em 2021.
De acordo com a última atualização do Global Landscape of Climate Finance (Climate Policy Initiative, 2021), é necessário aumentar o fluxo de financiamento climático em 590% ao ano, para se evitar as piores consequências da crise climática até o final da década e cumprir as metas já acordadas dentro dos Planos Climáticos Nacionais (NDCs , na sigla em inglês).
Um instrumento financeiro que tem se destacado como uma inovadora ferramenta para impulsionar investimentos em negócios que desenvolvem soluções socioambientais e buscam reduzir desigualdades sociais é o Blended Finance (do inglês, “finanças mistas”), modalidade que vem ganhando força no mercado internacional e que mescla filantropia com recursos de investidores, que recebem juros por seus empréstimos. Juntos, os recursos são usados para emprestar dinheiro a projetos de impacto socioambiental, projetos de alto risco na área de pesquisa e desenvolvimento ou a pessoas e grupos com pouco ou nenhum acesso a crédito e ao sistema financeiro, algo que dificilmente atrairia os bancos comerciais. À medida que os pagamentos chegam, os investidores podem novamente destinar os recursos a outros projetos de impacto, escalando o potencial de transformação do capital.
Um exemplo de blended finance bem-sucedido no Brasil é o Zunne, programa de investimentos de impacto para negócios sociais – uma iniciativa da Somos Um, da Yunus Negócios Sociais e da TRÊ Investindo com Causa, em parceria com o Instituto Beja e com apoio da Fundação Tide Setubal e da Be The Earth – que disponibilizará até R$ 10 milhões, em 2024, para apoiar negócios de impacto socioambiental positivos localizados no Norte e Nordeste, priorizando os que possuem lideranças femininas, negras e indígenas.
Criado em 2023, o programa, que mobilizou toda uma cadeia de grandes e pequenos investidores, filantropos e empreendedores sociais, lançou uma nova edição, que pretende potencializar o impacto positivo gerado, aumentando os investimentos e o número de negócios beneficiados.
O objetivo do programa é mudar a rota do investimento social privado no País, que atualmente gira em torno do Sudeste, e trazê-lo para as regiões com menor índice de desenvolvimento humano do Brasil. Além disso, o Zunne também visa tornar mais acessível os recursos a grupos menos abraçados por essas oportunidades.
Captação de recursos
O programa une capital filantrópico e investimento – recursos de grandes e pequenos investidores (pessoas físicas ou jurídicas). Na 2ª edição do programa, será possível fazer investimentos a partir de R$1.000.
Na prática, dos R$10 milhões previstos para a 2ª edição do programa, R$4 milhões serão fruto de filantropia. Destes, R$1,5 milhões serão direcionados para o fundo garantidor; 1,5 milhão para a Trilha Flora e R$1 milhão para a gestão do programa.
Para os doadores, estão disponíveis 4 cotas exclusivas: Cota Favo – R$100 mil, Cota Colmeia – R$250 mil, Cota Mel – R$500 mil e Cota Néctar – R$1 milhão. Os outros R$6 milhões que compõem o programa deverão ser aplicados pelos investidores.
Ao investidor, o programa oferecerá retorno de 10% ano sobre os aportes (equivalente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA) e premiação, além do fundo garantidor de inadimplência em até 25%. O prazo de carência é de seis meses e o retorno do investimento será em até quatro anos.
“Não é um programa de investimentos como os convencionais, que buscam a lucratividade, é uma ação que visa prioritariamente o impacto social. É um instrumento criado pelas nossas três organizações para viabilizar que o dinheiro chegue no Norte e Nordeste. Justamente para democratizar o acesso aos recursos de investimento, trazer oportunidades para as empreendedoras nortistas e nordestinas. Vamos apoiá-las com mentorias e investimento para que possam prosperar tanto quanto outras regiões e para aquelas que historicamente têm mais dificuldades, possam garantir acesso aos recursos”, explica Ticiana Rolim, presidente da Somos Um.
Os interessados em participar do Zunne – Programa de Impacto, como doador, investidor, mentor ou empreendedor, podem acessar o site programazunne.com.br.
Resultados da 1ª edição do Programa
Do montante de R$4,7 mi mobilizado pelo Zunne em 2023, R$1,5 milhão foi fruto de filantropia e R$3,2 milhões de investimentos para negócios de impacto nas regiões Norte e Nordeste. Ao todo, 98 negócios se inscreveram e 13 foram selecionados para receber investimento, provenientes de 197 investidores de diversos estados do Brasil. Dos negócios apoiados, 77% são liderados por mulheres, 15% por pessoas pretas e 7% por pessoas indígenas. Quanto à distribuição geográfica, 77% estão localizados na região Nordeste e 23% na região Norte.
Um dos negócios investidos em 2023 pelo programa foi a Um Grau e Meio, uma climatech brasileira, pioneira, certificada como B Corporation (certificação concedida a empresas que atendem a rigorosos padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade), que está fazendo avanços significativos na prevenção de incêndios florestais e na proteção ambiental. A empresa desenvolve soluções para mitigar incêndios florestais e minimizar seu impacto ambiental.
No Brasil, o principal emissor de CO2 é a destruição de florestas e áreas de proteção ambiental. A destruição dos biomas brasileiros emitiu 1,19 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente (GtCO2 e) no ano retrasado — mais do que o Japão inteiro —, contra 1 bilhão de toneladas em 2020. Os dados são do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima que compreende a produção de estimativas anuais das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Neste sentido, o apoio como o do Zunne a iniciativas que buscam reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável são primordiais para uma transição para uma economia de baixo carbono.
Saiba quais foram os outros negócios apoiados pela primeira edição do programa:
Região Nordeste: Ateliê da Sil (@ateliesilvaniadedeus), Catarina Mina (@catarinamina), Giardino Buffet (@giardinobuffet_), Muda Meu Mundo (@mudameumundo), Oikos (@oikosreformas), Roma Negra (@romanegrasalvador), Refazenda (@refazenda), SDW (@sdwforall), Sucré (@sucrebrasil) e Yantec (@yantec__)
Região Norte: Na’Kau (@nakauchocolates), Poranduba Amazônia (@poranduba_amazonia) e Um Grau e Meio (@umgrauemeio).
“Demos o primeiro passo do Programa Zunne, engajando 167 investidores com causa que emprestaram, em condições acessíveis, R$ 3,2 milhão para 13 negócios de impacto socioambiental. São 167 pessoas vivendo sua primeira experiência de cidadão investidor – busca retorno financeiro no seu investimento ao mesmo tempo que gera impacto positivo visando o bem comum”, explica Marcos Pedote, co-fundador e diretor executivo da Trê Investindo com Causa.
2ª edição do Zunne contará com duas trilhas de investimento
O “Zunne 2.0” inicia sua jornada com o objetivo de mobilizar R$10 milhões. Nesta segunda edição, o programa foi aprimorado e contará com duas trilhas de investimento: a Trilha Flora e a Trilha Pólen.
A primeira se destinará a investimentos filantrópicos de até R$100 mil em empreendimentos que tenham faturamento anual entre R$200 e R$600 mil e é exclusiva para negócios liderados por mulheres, negras e indígenas. Esta iniciativa surge como resposta à necessidade observada na edição anterior, em que muitos negócios não puderam participar devido ao não alcance do faturamento mínimo.
“Não queremos deixar ninguém para trás; por isso, criamos a Trilha Flora, uma linha de investimento com um olhar ainda mais sensível para os negócios com menor faturamento, mas com grande potencial de crescimento. Nessa trilha, vamos dar exclusividade para mulheres negras e indígenas; é uma chamada afirmativa para contribuirmos com a igualdade racial”, pontua a fundadora e presidente da Somos Um, Ticiana Rolim Queiroz.
Já na Trilha Pólen, os negócios de impacto que ultrapassam o faturamento de R$600 mil anuais podem buscar empréstimos de até R$500 mil, com uma taxa de juros de 14,8% ao ano (equivalente a 1,2% ao mês), taxa menor que as praticadas por bancos de desenvolvimento. A trilha tem como prioridade negócios com liderança feminina e/ou liderados por pessoas pretas e indígenas.
Tanto para a Trilha Flora quanto para a Trilha Pólen, os empreendimentos interessados devem realizar inscrição prévia com informações sobre o negócio, incluindo dados financeiros e evidências de seu impacto social ou ambiental. Após essa etapa inicial, os empreendimentos passam por um processo de seleção, com até 10 sendo selecionados para a Trilha Flora e 20 para a Trilha Pólen.
Além do apoio financeiro, o Zunne oferecerá capacitação com especialistas nas áreas jurídica, financeira, de marketing digital e vendas, gestão de negócios e outras; auxílio e orientação na obtenção de acesso a capital em diferentes formatos, conexões com redes de potenciais clientes e parceiros e coleta de dados financeiros e de impacto para mensuração do impacto alcançado.
“Entendemos que além de dinheiro, as empresas precisam também de acesso a capacitação, redes, conexões e novos mercados. Por isso, oferecemos também apoio não-financeiro aos negócios selecionados. Essa é a maneira que a Yunus atua na concessão de empréstimos há mais de 7 anos no Brasil e estamos replicando essa prática no Zunne”, explica Francisco Vicente, diretor de investimentos da Yunus Negócios Sociais.
Sobre a Somos Um (@somosumce)
A Somos Um é uma organização estruturante, sem fins lucrativos, que busca solucionar problemas sociais e ambientais por meio dos negócios, colocando impacto no centro das decisões. A organização presta serviços e realiza projetos para apoiar empreendedores e negócios de impacto e para impulsionar organizações e iniciativas de apoio ao ecossistema de impacto, além de produzir conteúdo sobre o tema, realizar cursos, hackathons sociais, programas de incubação e de aceleração de negócios de impacto, consultorias, e iniciativas de articulação e mobilização de atores do setor. Inspirados pelo Professor Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz, sonha com o dia em que não haverá mais pobreza. SITE: www.somosumce.com.br
Sobre a Yunus Negócios Sociais Brasil (@yunusnegociossociaisbr)
A Yunus Negócios Sociais é a unidade brasileira ligada à empresa global Yunus Social Business Global Initiatives, maior referência em investimentos de impacto social no mundo. A empresa possui a visão de aproveitar o poder dos negócios sociais para resolver problemas urgentes no mundo de duas maneiras: de cima para baixo, por meio da inovação social corporativa oferecida para grandes empresas e da oferta de financiamento para pequenas e médias empresas de impacto social. Atualmente, possui um portfólio de crédito ativo de mais de 60 negócios sociais em 5 países – Brasil, Colômbia, Uganda, Quênia e Índia. No Brasil, a organização financiou 15 negócios sociais até o momento, com mais de R$ 22 milhões sob gestão.
SITE: www.br.yunussb.com